Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

AS MINHAS VIAGENS

AS MINHAS VIAGENS

Sex | 16.12.22

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (9)

ONDE É QUE ESTAVAS NO 25 DE ABRIL?

Esta era a pergunta que o jornalista Baptista Bastos colocava amiúde aos seus interlocutores e da qual me recordei para esta pequena história da minha infância. O 25 de Abril aconteceu em 1974, tinha eu 9 anos (completaria os 10 apenas em Novembro). Nessa data frequentava a 3ª classe na Escola Primária de Almargem e era minha professora a D. Isabel que estava alojada em Seramena na casa do sr. Alexandre Francisco, das cutelarias AF.

Pois bem, o 25 de Abril de 1974 apanhou-nos a todos na Escola Primária, onde as aulas decorriam durante a manhã, até às 13h, momento em que percorreria o caminho de volta para casa, para os Cachimbos, pelo percurso habitual e que demorava uns 10 minutos se andasse a passo largo ou numa corridinha.

Nesse dia, porém, tudo foi diferente. O meu pai apareceu junto à Escola no seu Fiat 500 (de matrícula CE-58-50), creme, e falou com a professora Isabel para lhe dar conta do que ouvira na rádio e estava a dar na televisão (só havia a RTP e com um único canal), pensando que não seria seguro ficarmos na escola e, lá foi a malta toda para casa, numa galhofa terrível, sem termos noção do que acontecia. O meu pai deu boleia á professora até à Seramena e trouxe-nos e ao Hélder Dinis, nosso primo e filho do Augusto Filipe (estava nos CTT em Sobral), para os Cachimbos.

A minha mãe e a minha avó estavam coladas à televisão a ver o que se passava em Lisboa e onde se anunciava uma revolução contra a ditadura, de Marcelo Caetano pois Salazar já havia falecido, encabeçada pelos militares e que ninguém sabia no que iria dar… Mais ainda aqueles que, como nós, viviam na província e sem acesso a mais informação que a veiculada pela RTP ou pela então Emissora Nacional que todos ouviam nos grandes aparelhos de rádio.

Em casa, a aminha mãe mostrava a sua enorme preocupação pelo que estava a acontecer e sem que se soubesse o que poderia acontecer. Admirava Marcelo Caetano e preocupava-a o nosso futuro. Ao longo do dia percebeu-se que a revolução seria pacífica, apesar dos tiros junto à PIDE-DGS e no Quartel do Carmo.

Acabados de almoçar, acompanhei o meu pai e o meu avô até à terra do Alto da Forca onde estes continuaram calma e placidamente a sua tarefa de sachar batatas e eu a apanhar algumas ervas para os ajudar e a ouvir no rádio, grande, com 6 enormes pilhas a alimentá-lo, tudo o que se passava em Lisboa.

Alguns anos mais tarde tive a consciência da importância desse dia e desse movimento. Infelizmente a revolução mais importante – a das mentalidades – ficou por fazer…

O meu obrigado a todos quantos lutaram pela liberdade e nos permitiram viver em democracia.

António Lúcio

Sobral de Monte Agraço, 16 de dezembro de 2022