SANTA CRUZ, A PRAIA DA NOSSA INFÂNCIA; O PENEDO DO GUINCHO E A PRAIA FORMOSA
António Lúcio / Barreira de Sombra
Dista do Sobral cerca de 40 kms e era a nossa praia, aquela onde passávamos uns 15 dias de férias, com direito a casa alugada na zona por detrás da Colónia da Física, hoje NOAH, com uma mercearia mesmo ao lado e do outro lado do muro o parque de campismo de Torres Vedras. Pertíssimo da praia, onde o sr António tinha guardada a nossa barraca, de listas azuis e brancas, uma mesa quadrada e 2 bancos de madeira.
Era aí que a avó Sara tomava conta de mim e dos meus irmãos e nos levava todos os dias, religiosamente, para a praia, de manhã e à tarde, “obrigando-nos” a uma sesta depois de almoço. Tomar conta de 3 miúdos entre os 6 e os 10 anos não devia ser tarefa fácil mas a avó tomava conta dos seus “pintainhos” como qualquer mãe-galinha. E uma vez por semana, na folga do meu pai, lá estava ele e a minha mãe a acompanhar esta troupe.
A avó controlava os horários como poucos, com o seu minúsculo relógio, e controlava as idas a banhos conforme a maré estava vazia ou cheia, se havia ondas ou não, deixando-nos ir até ás rochas defronte do penedo chamado de “boca de sapo” ou mais para norte um pouco se o mar estava bom. Lá andava ela, na beira-mar, a ver se estávamos bem e não nos afastávamos muito. Por vezes juntavam-se a nós os nossos primos António José e Lurdes, cuja casa ficava no caminho para o aeródromo, e a tia Crielmina acompanhava a avó no controle da malta.
Belas banhocas, jogos de bola, jogar á carica, apanhar lapas e mexilhões, pescar uns cabozes, eram a nossa grande ocupação durante esses dias de praia.
Se o mar estava mais batido, a avó, com os seus “pintainhos” percorria toda a extensão de areal que vai até à praia Formosa, com a sua rampa dos crocodilos e uma pequena piscina, passando pelo emblemático Penedo do Guincho, para que pudéssemos tomar banho na enseada da Formosa em segurança. E quando achava que era altura de voltar à nossa barraca, tocava a recolher a malta e lá íamos todos, sem nunca algum se ter perdido.
As economias eram parcas e o dinheiro tinha de ser muito bem administrado. Por isso, e apesar de haver uma senhora que vendia bananas e bolos/farturas, outro senhor que não tinha um braço e vendia gelados da Olá e uma oficina de bicicletas que as alugava à hora, umas vezes por outras tínhamos direito a um destes miminhos num dia de praia.
Encontrávamos muitos colegas de escola, também filhos dos colegas do meu pai e do meu padrinho na Lopes & Matos e estabeleceram-se relações de amizade. Quando nos juntávamos todos ao fim de semana na praia, éramos mais de uma dúzia e nunca a minha avó perdeu o controle da situação. Tínhamos idades bem diferentes (6 ou7 anos de diferença entre mais novos e mais velhos) mas aproveitávamos os momentos em que estávamos juntos para sacar o máximo partido da praia, da nossa praia.
E às vezes, mesmo em Agosto, lá vinham as neblinas molhadas típicas de Santa Cruz, ao final do dia ou logo de manhã, ou ainda nos dias de marés vivas, as ondas a chegarem às barracas e toda a malta em grande alvoroço a construir muralhas de areia, piscinas, etc. Nesses dias nem à Formosa íamos, mas a animação era constante. E chegando á nossa casinha, um banho de mangueira que tinha ficado ao sol para a água aquecer…
Ainda hoje, 50 anos volvidos, Santa Cruz é a minha praia de eleição, de inverno e de verão!
GRUPO DE ALUNOS DA ESCOLA PRIMÁRIA E AS EXIBIÇÕES NO CINE-TEATRO DE SOBRAL APÓS O 25 DE ABRIL
António Lúcio / Barreira de Sombra
Houve, no ano lectivo de 1974/ de 1975, se não me falha a memória, e por iniciativa da professora Maria Eduarda Pereira, em conjunto com as restantes docentes da Escola Primária Tenente Coronel João Luís de Moura em Sobral de Monte Agraço, a constituição de um grupo de alunos das diversas classes para canto e dança e ainda teatro e poesia, o que implicava muitos ensaios fora das aulas e o consentimento dos pais/encarregados de educação.
Pois bem, este grupo estreou-se no Cine-Teatro de Sobral de Monte Agraço, com lotação esgotada e gente de pé nas passagens laterais e foi um tremendo êxito: houve declamação de poesia, canto, dança, e um pequeno apontamento teatral. Tal foi o êxito que, uns tempos mais tarde, actuamos na inauguração da luz eléctrica na aldeia de Chã, onde os militares do então MFA haviam concluído essa obra tão importante; em Torres Vedras e até no Mercado do Povo em Lisboa.
Esta última foi uma autêntica aventura. Havíamos sido convidados para actuar por Igrejas Caeiro, homem da rádio e da televisão, sendo o certame coordenado por Vasco Granja, da RTP e que tratava da programação infantil. O transporte não chegava e nós e alguns pais, estávamos frente à Toca do Coelho, na agora Praça 25 de Abril, impacientes pois corríamos o risco de não conseguir ir a Lisboa, o que era um prémio enorme para o nosso esforço.
Lembrei-me de que podíamos pedir á Marinha de Vila Franca, Grupo nº 1 de Escolas da Armada, para nos levar a Lisboa pois havia essa cooperação com o MFA… E a D. Eduarda lá telefonou e eles enviaram um autocarro da Marinha e um motorista que nos acompanhou o tempo todo. Chegamos com imenso atraso, como devem perceber.
O sr. Vasco Granja já não nos queria deixar actuar mas com as pressões de Igrejas Caeiro lá actuamos perante outra plateia esgotada. Foi um bulício tremendo, muito nervosismo, mas cumprimos o nosso programa na íntegra.
Voltámos a actuar no final do ano lectivo em Sobral de Monte Agraço e de novo com lotação esgotada. Uma aventura com final feliz e que só não teve continuidade porque a nossa nova vida escolar era no Ensino Preparatório, uns em Sobral, outros em Torres ou Arruda… Mas foi bom enquanto durou.
Cresci nos Cachimbos e a Escola Primária de Almargem foi onde me iniciei nas lides escolares e que frequentei até à 3ª classe. Gostava da escola, tinha colegas mais velhos que não transitavam de ano, tínhamos a D. Felisbela, da Seramena, a dar-nos catequese na escola e na igreja de Santo Quintino…
Um dia a professora que tínhamos foi embora e para a substituir foi enviada para o Almargem a D. Eduarda Pereira, açoriana dos 4 costados, e que leccionava também na Escola Tenente Coronel João Luís de Moura em Sobral, onde eu concluiria os estudos com o exame da 4ª classe, ano em que deixei o Almargem para vir para o Sobral.
Pois bem, quando soube da troca, decidi fazer uma birra terrível, não queria mudar de professora – como se isso dependesse de mim… - o que fez com que a minha mãe tivesse de me levar à escola e falar com a D. Eduarda.
A partir dessa conversa, a D. Eduarda, que ia para Escola no táxi do Sr. Patrício, passou a dar-me boleia todos os dias, o que me fez sentir muito importante. De bata/bibe branco, á porta de casa nos Cachimbos, lá estava eu à espera que o táxi do Sr. Patrício aparecesse.
A D. Eduarda falava bastante comigo e foi um verdadeira inspiração para toda a minha vida, pelo que me ensinou, por me ter feito compreender que é necessário ser coerente e consequente, saber tomar as nossas decisões devidamente ponderadas, e por me ter incutido gosto pelo conhecimento, pela leitura, pelo estudo, para poder estar sempre um pouco mais além. E pelo sentido crítico e de proximidade com os outros. Ensinou-me imenso e sempre tive isso em consideração, nutrindo uma amizade muito interessante.
Em 1971 eu era um verdadeiro privilegiado pois era o único aluno da Escola Primária do Almargem que ia de táxi na companhia da professora para as aulas…
Esta era a pergunta que o jornalista Baptista Bastos colocava amiúde aos seus interlocutores e da qual me recordei para esta pequena história da minha infância. O 25 de Abril aconteceu em 1974, tinha eu 9 anos (completaria os 10 apenas em Novembro). Nessa data frequentava a 3ª classe na Escola Primária de Almargem e era minha professora a D. Isabel que estava alojada em Seramena na casa do sr. Alexandre Francisco, das cutelarias AF.
Pois bem, o 25 de Abril de 1974 apanhou-nos a todos na Escola Primária, onde as aulas decorriam durante a manhã, até às 13h, momento em que percorreria o caminho de volta para casa, para os Cachimbos, pelo percurso habitual e que demorava uns 10 minutos se andasse a passo largo ou numa corridinha.
Nesse dia, porém, tudo foi diferente. O meu pai apareceu junto à Escola no seu Fiat 500 (de matrícula CE-58-50), creme, e falou com a professora Isabel para lhe dar conta do que ouvira na rádio e estava a dar na televisão (só havia a RTP e com um único canal), pensando que não seria seguro ficarmos na escola e, lá foi a malta toda para casa, numa galhofa terrível, sem termos noção do que acontecia. O meu pai deu boleia á professora até à Seramena e trouxe-nos e ao Hélder Dinis, nosso primo e filho do Augusto Filipe (estava nos CTT em Sobral), para os Cachimbos.
A minha mãe e a minha avó estavam coladas à televisão a ver o que se passava em Lisboa e onde se anunciava uma revolução contra a ditadura, de Marcelo Caetano pois Salazar já havia falecido, encabeçada pelos militares e que ninguém sabia no que iria dar… Mais ainda aqueles que, como nós, viviam na província e sem acesso a mais informação que a veiculada pela RTP ou pela então Emissora Nacional que todos ouviam nos grandes aparelhos de rádio.
Em casa, a aminha mãe mostrava a sua enorme preocupação pelo que estava a acontecer e sem que se soubesse o que poderia acontecer. Admirava Marcelo Caetano e preocupava-a o nosso futuro. Ao longo do dia percebeu-se que a revolução seria pacífica, apesar dos tiros junto à PIDE-DGS e no Quartel do Carmo.
Acabados de almoçar, acompanhei o meu pai e o meu avô até à terra do Alto da Forca onde estes continuaram calma e placidamente a sua tarefa de sachar batatas e eu a apanhar algumas ervas para os ajudar e a ouvir no rádio, grande, com 6 enormes pilhas a alimentá-lo, tudo o que se passava em Lisboa.
Alguns anos mais tarde tive a consciência da importância desse dia e desse movimento. Infelizmente a revolução mais importante – a das mentalidades – ficou por fazer…
O meu obrigado a todos quantos lutaram pela liberdade e nos permitiram viver em democracia.
APROXIMA-SE O NATAL… TEMPO DE COMUNHÃO E DE PARTILHA
António Lúcio / Barreira de Sombra
Sempre que se aproximava o dia 8 de Dezembro, era sinal de que o Natal estava mais próximo e com ele, uma série de acontecimentos que movimentava toda a família na nossa casa em Cachimbos e que resultava numa consoada cheia de gente, muita comunhão e partilha e tudo sob o comando da minha mãe, sendo que a parte decorativa (árvore de Natal e presépio era tarefa nossa e do pai.
Havia uma tradição, de dia 8, feriado, e que o avô António Diniz fazia questão que cumpríssemos: a ida à feira do Cadaval, a feira onde sempre se comprava algo para ajudar a passar as agruras do frio de inverno (uns cobertores ou mantas), ou umas botas de cabedal, ou umas árvores de frutos, e eu gostava de comprar figuras de barro para o presépio. Então lá íamos no carro do meu pai tipo excursão familiar até ao Cadaval e havia sempre uma história que o avô contava em Vila Verde dos Francos e onde constava que uma burra ou burro tocara o sino da igreja…
Nestes dias, ou íamos à mata da Moucheira a Subserra ou a outro lado mais perto onde houvesse pinheiros e com a ajuda de um serrote lá trazíamos um pinheirinho para fazer a árvore de Natal que o meu pai enfeitava a preceito com bolas, fitas e luzes que havia trazido de Lisboa. Era uma alegria. Depois, tínhamos já apanhado duas ou três caixas de musgo para o presépio que era montado no local onde fora uma larga chaminé no primeiro andar da nossa casa e que estava forrada a contraplacado. Tinha uns bons 3 metros de comprido por 1,5 metros de profundidade. A parede de cima e o fundo eram forrados com papel metalizado azul e umas estrelas, simbolizando o céu. No chão, com recurso a pedras e a restos de videiras faziam-se montes e vales, o espaço para um lago (uma forma de vidro), a cabana onde nasceu Jesus, os caminhos feitos com areia, dezenas de peças a representar tudo o que um presépio que se preze deve ter. E as luzinhas espalhadas por todo o cenário, onde naturalmente, o destaque eram a cabana do menino Jesus e os 3 reis magos.
Montar o presépio era tarefa longa e demorada para que tudo ficasse na perfeição. E se nesse dia 8 se acendiam as luzes da árvore de Natal, era também a altura para o fazer no presépio que num dos anos contou com uma linha de comboio elétrico, o primeiro que eu havia recebido no ano anterior.
Na mesma área, próximo da árvore de Natal haviam de aparecer, na noite de 24 de dezembro, as prendas que iriamos receber e que a minha mãe fazia questão de manter bem escondidas até essa data, fosse no seu guarda-fato ou na casa da avó Sara. Ficávamos ansiosamente à espera que os embrulhos fossem colocados junto à árvore para depois os podermos abrir.
Antes da abertura dos presentes e naturalmente com a presença dos avós António, Sara e às vezes da avó Aldegundes, tínhamos tomado todos juntos o nosso jantar de Natal, com o habitual bacalhau vindo de uma loja de Lisboa, da Rua dos Bacalhoeiros, onde o meu pai o comprara, as couves (da nossa produção, tal como as batatas), o pão confeccionado pela avó Sara, os sonhos e outros bolos (bolo-rei inclusive) que eu havia ajudado a mãe a preparar e a terminar, e ainda o perú recheado que ficava divinal após horas a assar no tradicional forno do fogão de lenha.
Tudo isto tinha um encanto único que se foi perdendo com a perda dos familiares mais próximos mas que nós os irmãos vamos tentando manter como símbolo da união familiar que a minha mãe tanto gostava de promover.
Vem aí o Natal. Que o saibamos celebrar com a dignidade e a humanidade que lhe deve presidir e agradecer a Deus esta continuidade.
UM ERRO HISTÓRICO…NUM CORTEJO HISTÓRICO-ETNOGRÁFICO
António Lúcio / Barreira de Sombra
Participei durante vários anos nos Cortejos Histórico-Etnográficos que se realizavam no 1º domingo das Festas e Feira de Verão de Sobral de Monte Agraço e que atraiam até á sede do Concelho milhares de visitantes e interpretei os diversos papéis com todo o respeito que as personagens implicavam. E confesse que gostavam imenso desse convívio e da responsabilidade com que o Amílcar Leitão e o Rui Corado Batista tratavam de tudo para que nada falhasse. Era muita gente envolvida e coordenar tudo não era tarefa fácil.
Os trajes vinham de Lisboa, trajes de época, nem sempre muito agradáveis ao toque mas, que a todos nos deixavam imponentes, como autênticas figuras da época que representávamos e cujos quadros tinha sempre a ver com história do Sobral. Havia uma equipa de maquilhagem liderada pela Maria Natália, se não me falha o nome, que a todos deixavam com feições à época, e onde as senhoras, com as duas empoadas cabeleiras e lindos vestidos, davam fortemente nas vistas.
Até que num desses cortejos havia um quadro evocativo do grande escritor e poeta português Luiz Vaz de Camões, que ia acompanhado das suas inspiradoras musas, as ninfas do Tejo. E calhou-me a mim dar vida à personagem. No momento da caracterização surgiu a dúvida. Em que olho usava Camões a pala devido a ter ficado cego de uma vista? Da esquerda ou da direita? Não havia certezas e nem sequer a internet era algo em que se pudesse pensar.
Eu teimei que era do olho esquerdo, outros que era do direito. E eu avancei e cumpri todo o percurso com a pala colocada sobre o olho esquerdo quando, na realidade, o deveria ter feito com ela a tapar-me a vista direita. Um crasso erro histórico pois bastava que em casa tivesse ido ver “Os Lusíadas” e nada disto teria acontecido. Passou despercebido à esmagadora maioria dos assistentes ao cortejo.
Recordo com saudade esses momentos que terminavam com um bom convívio na garagem da Câmara e onde a diversão era garantida.
Um obrigado ao Amílcar Leitão e ao Rui Corado Batista por nos terem proporcionados estas experiências e vivências únicas.