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AS MINHAS VIAGENS

AS MINHAS VIAGENS

Qua | 28.12.22

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (12)

SANTA CRUZ, A PRAIA DA NOSSA INFÂNCIA; O PENEDO DO GUINCHO E A PRAIA FORMOSA

António Lúcio / Barreira de Sombra

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Dista do Sobral cerca de 40 kms e era a nossa praia, aquela onde passávamos uns 15 dias de férias, com direito a casa alugada na zona por detrás da Colónia da Física, hoje NOAH, com uma mercearia mesmo ao lado e do outro lado do muro o parque de campismo de Torres Vedras. Pertíssimo da praia, onde o sr António tinha guardada a nossa barraca, de listas azuis e brancas, uma mesa quadrada e 2 bancos de madeira.

Era aí que a avó Sara tomava conta de mim e dos meus irmãos e nos levava todos os dias, religiosamente, para a praia, de manhã e à tarde, “obrigando-nos” a uma sesta depois de almoço. Tomar conta de 3 miúdos entre os 6 e os 10 anos não devia ser tarefa fácil mas a avó tomava conta dos seus “pintainhos” como qualquer mãe-galinha. E uma vez por semana, na folga do meu pai, lá estava ele e a minha mãe a acompanhar esta troupe.

A avó controlava os horários como poucos, com o seu minúsculo relógio, e controlava as idas a banhos conforme a maré estava vazia ou cheia, se havia ondas ou não, deixando-nos ir até ás rochas defronte do penedo chamado de “boca de sapo” ou mais para norte um pouco se o mar estava bom. Lá andava ela, na beira-mar, a ver se estávamos bem e não nos afastávamos muito. Por vezes juntavam-se a nós os nossos primos António José e Lurdes, cuja casa ficava no caminho para o aeródromo, e a tia Crielmina acompanhava a avó no controle da malta.

Belas banhocas, jogos de bola, jogar á carica, apanhar lapas e mexilhões, pescar uns cabozes, eram a nossa grande ocupação durante esses dias de praia.

Se o mar estava mais batido, a avó, com os seus “pintainhos” percorria toda a extensão de areal que vai até à praia Formosa, com a sua rampa dos crocodilos e uma pequena piscina, passando pelo emblemático Penedo do Guincho, para que pudéssemos tomar banho na enseada da Formosa em segurança. E quando achava que era altura de voltar à nossa barraca, tocava a recolher a malta e lá íamos todos, sem nunca algum se ter perdido.

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As economias eram parcas e o dinheiro tinha de ser muito bem administrado. Por isso, e apesar de haver uma senhora que vendia bananas e bolos/farturas, outro senhor que não tinha um braço e vendia gelados da Olá e uma oficina de bicicletas que as alugava à hora, umas vezes por outras tínhamos direito a um destes miminhos num dia de praia.

Encontrávamos muitos colegas de escola, também filhos dos colegas do meu pai e do meu padrinho na Lopes & Matos e estabeleceram-se relações de amizade. Quando nos juntávamos todos ao fim de semana na praia, éramos mais de uma dúzia e nunca a minha avó perdeu o controle da situação. Tínhamos idades bem diferentes (6 ou7 anos de diferença entre mais novos e mais velhos) mas aproveitávamos os momentos em que estávamos juntos para sacar o máximo partido da praia, da nossa praia.

E às vezes, mesmo em Agosto, lá vinham as neblinas molhadas típicas de Santa Cruz, ao final do dia ou logo de manhã, ou ainda nos dias de marés vivas, as ondas a chegarem às barracas e toda a malta em grande alvoroço a construir muralhas de areia, piscinas, etc. Nesses dias nem à Formosa íamos, mas a animação era constante. E chegando á nossa casinha, um banho de mangueira que tinha ficado ao sol para a água aquecer…

Ainda hoje, 50 anos volvidos, Santa Cruz é a minha praia de eleição, de inverno e de verão!

António Lúcio

Sobral de Monte Agraço, 28 de dezembro de 2022

Qui | 22.12.22

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (11)

GRUPO DE ALUNOS DA ESCOLA PRIMÁRIA E AS EXIBIÇÕES NO CINE-TEATRO DE SOBRAL APÓS O 25 DE ABRIL

António Lúcio / Barreira de Sombra

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Houve, no ano lectivo de 1974/ de 1975, se não me falha a memória, e por iniciativa da professora Maria Eduarda Pereira, em conjunto com as restantes docentes da Escola Primária Tenente Coronel João Luís de Moura em Sobral de Monte Agraço, a constituição de um grupo de alunos das diversas classes para canto e dança e ainda teatro e poesia, o que implicava muitos ensaios fora das aulas e o consentimento dos pais/encarregados de educação.

Pois bem, este grupo estreou-se no Cine-Teatro de Sobral de Monte Agraço, com lotação esgotada e gente de pé nas passagens laterais e foi um tremendo êxito: houve declamação de poesia, canto, dança, e um pequeno apontamento teatral. Tal foi o êxito que, uns tempos mais tarde, actuamos na inauguração da luz eléctrica na aldeia de Chã, onde os militares do então MFA haviam concluído essa obra tão importante; em Torres Vedras e até no Mercado do Povo em Lisboa.

Esta última foi uma autêntica aventura. Havíamos sido convidados para actuar por Igrejas Caeiro, homem da rádio e da televisão, sendo o certame coordenado por Vasco Granja, da RTP e que tratava da programação infantil. O transporte não chegava e nós e alguns pais, estávamos frente à Toca do Coelho, na agora Praça 25 de Abril, impacientes pois corríamos o risco de não conseguir ir a Lisboa, o que era um prémio enorme para o nosso esforço.

Lembrei-me de que podíamos pedir á Marinha de Vila Franca, Grupo nº 1 de Escolas da Armada, para nos levar a Lisboa pois havia essa cooperação com o MFA… E a D. Eduarda lá telefonou e eles enviaram um autocarro da Marinha e um motorista que nos acompanhou o tempo todo. Chegamos com imenso atraso, como devem perceber.

O sr. Vasco Granja já não nos queria deixar actuar mas com as pressões de Igrejas Caeiro lá actuamos perante outra plateia esgotada. Foi um bulício tremendo, muito nervosismo, mas cumprimos o nosso programa na íntegra.

Voltámos a actuar no final do ano lectivo em Sobral de Monte Agraço e de novo com lotação esgotada. Uma aventura com final feliz e que só não teve continuidade porque a nossa nova vida escolar era no Ensino Preparatório, uns em Sobral, outros em Torres ou Arruda… Mas foi bom enquanto durou.

António Lúcio

Sobra de Monte Agraço, 22 de dezembro de 2022

Seg | 19.12.22

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (10)

DE TÁXI PARA A ESCOLA PRIMÁRIA

António Lúcio / Barreira de Sombra

Cresci nos Cachimbos e a Escola Primária de Almargem foi onde me iniciei nas lides escolares e que frequentei até à 3ª classe. Gostava da escola, tinha colegas mais velhos que não transitavam de ano, tínhamos a D. Felisbela, da Seramena, a dar-nos catequese na escola e na igreja de Santo Quintino…

Um dia a professora que tínhamos foi embora e para a substituir foi enviada para o Almargem a D. Eduarda Pereira, açoriana dos 4 costados, e que leccionava também na Escola Tenente Coronel João Luís de Moura em Sobral, onde eu concluiria os estudos com o exame da 4ª classe, ano em que deixei o Almargem para vir para o Sobral.

Pois bem, quando soube da troca, decidi fazer uma birra terrível, não queria mudar de professora – como se isso dependesse de mim… - o que fez com que a minha mãe tivesse de me levar à escola e falar com a D. Eduarda.

A partir dessa conversa, a D. Eduarda, que ia para Escola no táxi do Sr. Patrício, passou a dar-me boleia todos os dias, o que me fez sentir muito importante. De bata/bibe branco, á porta de casa nos Cachimbos, lá estava eu à espera que o táxi do Sr. Patrício aparecesse.

A D. Eduarda falava bastante comigo e foi um verdadeira inspiração para toda a minha vida, pelo que me ensinou, por me ter feito compreender que é necessário ser coerente e consequente, saber tomar as nossas decisões devidamente ponderadas, e por me ter incutido gosto pelo conhecimento, pela leitura, pelo estudo, para poder estar sempre um pouco mais além. E pelo sentido crítico e de proximidade com os outros. Ensinou-me imenso e sempre tive isso em consideração, nutrindo uma amizade muito interessante.

Em 1971 eu era um verdadeiro privilegiado pois era o único aluno da Escola Primária do Almargem que ia de táxi na companhia da professora para as aulas…

António Lúcio

Sobral de Monte Agraço, 19 de dezembro de 2022

Sex | 16.12.22

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (9)

ONDE É QUE ESTAVAS NO 25 DE ABRIL?

António Lúcio / Barreira de Sombra

Esta era a pergunta que o jornalista Baptista Bastos colocava amiúde aos seus interlocutores e da qual me recordei para esta pequena história da minha infância. O 25 de Abril aconteceu em 1974, tinha eu 9 anos (completaria os 10 apenas em Novembro). Nessa data frequentava a 3ª classe na Escola Primária de Almargem e era minha professora a D. Isabel que estava alojada em Seramena na casa do sr. Alexandre Francisco, das cutelarias AF.

Pois bem, o 25 de Abril de 1974 apanhou-nos a todos na Escola Primária, onde as aulas decorriam durante a manhã, até às 13h, momento em que percorreria o caminho de volta para casa, para os Cachimbos, pelo percurso habitual e que demorava uns 10 minutos se andasse a passo largo ou numa corridinha.

Nesse dia, porém, tudo foi diferente. O meu pai apareceu junto à Escola no seu Fiat 500 (de matrícula CE-58-50), creme, e falou com a professora Isabel para lhe dar conta do que ouvira na rádio e estava a dar na televisão (só havia a RTP e com um único canal), pensando que não seria seguro ficarmos na escola e, lá foi a malta toda para casa, numa galhofa terrível, sem termos noção do que acontecia. O meu pai deu boleia á professora até à Seramena e trouxe-nos e ao Hélder Dinis, nosso primo e filho do Augusto Filipe (estava nos CTT em Sobral), para os Cachimbos.

A minha mãe e a minha avó estavam coladas à televisão a ver o que se passava em Lisboa e onde se anunciava uma revolução contra a ditadura, de Marcelo Caetano pois Salazar já havia falecido, encabeçada pelos militares e que ninguém sabia no que iria dar… Mais ainda aqueles que, como nós, viviam na província e sem acesso a mais informação que a veiculada pela RTP ou pela então Emissora Nacional que todos ouviam nos grandes aparelhos de rádio.

Em casa, a aminha mãe mostrava a sua enorme preocupação pelo que estava a acontecer e sem que se soubesse o que poderia acontecer. Admirava Marcelo Caetano e preocupava-a o nosso futuro. Ao longo do dia percebeu-se que a revolução seria pacífica, apesar dos tiros junto à PIDE-DGS e no Quartel do Carmo.

Acabados de almoçar, acompanhei o meu pai e o meu avô até à terra do Alto da Forca onde estes continuaram calma e placidamente a sua tarefa de sachar batatas e eu a apanhar algumas ervas para os ajudar e a ouvir no rádio, grande, com 6 enormes pilhas a alimentá-lo, tudo o que se passava em Lisboa.

Alguns anos mais tarde tive a consciência da importância desse dia e desse movimento. Infelizmente a revolução mais importante – a das mentalidades – ficou por fazer…

O meu obrigado a todos quantos lutaram pela liberdade e nos permitiram viver em democracia.

António Lúcio

Sobral de Monte Agraço, 16 de dezembro de 2022

Ter | 06.12.22

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (8)

APROXIMA-SE O NATAL… TEMPO DE COMUNHÃO E DE PARTILHA

António Lúcio / Barreira de Sombra

 

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Sempre que se aproximava o dia 8 de Dezembro, era sinal de que o Natal estava mais próximo e com ele, uma série de acontecimentos que movimentava toda a família na nossa casa em Cachimbos e que resultava numa consoada cheia de gente, muita comunhão e partilha e tudo sob o comando da minha mãe, sendo que a parte decorativa (árvore de Natal e presépio era tarefa nossa e do pai.

Havia uma tradição, de dia 8, feriado, e que o avô António Diniz fazia questão que cumpríssemos: a ida à feira do Cadaval, a feira onde sempre se comprava algo para ajudar a passar as agruras do frio de inverno (uns cobertores ou mantas), ou umas botas de cabedal, ou umas árvores de frutos, e eu gostava de comprar figuras de barro para o presépio. Então lá íamos no carro do meu pai tipo excursão familiar até ao Cadaval e havia sempre uma história que o avô contava em Vila Verde dos Francos e onde constava que uma burra ou burro tocara o sino da igreja…

Nestes dias, ou íamos à mata da Moucheira a Subserra ou a outro lado mais perto onde houvesse pinheiros e com a ajuda de um serrote lá trazíamos um pinheirinho para fazer a árvore de Natal que o meu pai enfeitava a preceito com bolas, fitas e luzes que havia trazido de Lisboa. Era uma alegria. Depois, tínhamos já apanhado duas ou três caixas de musgo para o presépio que era montado no local onde fora uma larga chaminé no primeiro andar da nossa casa e que estava forrada a contraplacado. Tinha uns bons 3 metros de comprido por 1,5 metros de profundidade. A parede de cima e o fundo eram forrados com papel metalizado azul e umas estrelas, simbolizando o céu. No chão, com recurso a pedras e a restos de videiras faziam-se montes e vales, o espaço para um lago (uma forma de vidro), a cabana onde nasceu Jesus, os caminhos feitos com areia, dezenas de peças a representar tudo o que um presépio que se preze deve ter. E as luzinhas espalhadas por todo o cenário, onde naturalmente, o destaque eram a cabana do menino Jesus e os 3 reis magos.

Montar o presépio era tarefa longa e demorada para que tudo ficasse na perfeição. E se nesse dia 8 se acendiam as luzes da árvore de Natal, era também a altura para o fazer no presépio que num dos anos contou com uma linha de comboio elétrico, o primeiro que eu havia recebido no ano anterior.

Na mesma área, próximo da árvore de Natal haviam de aparecer, na noite de 24 de dezembro, as prendas que iriamos receber e que a minha mãe fazia questão de manter bem escondidas até essa data, fosse no seu guarda-fato ou na casa da avó Sara. Ficávamos ansiosamente à espera que os embrulhos fossem colocados junto à árvore para depois os podermos abrir.

Antes da abertura dos presentes e naturalmente com a presença dos avós António, Sara e às vezes da avó Aldegundes, tínhamos tomado todos juntos o nosso jantar de Natal, com o habitual bacalhau vindo de uma loja de Lisboa, da Rua dos Bacalhoeiros, onde o meu pai o comprara, as couves (da nossa produção, tal como as batatas), o pão confeccionado pela avó Sara, os sonhos e outros bolos (bolo-rei inclusive) que eu havia ajudado a mãe a preparar e a terminar, e ainda o perú recheado que ficava divinal após horas a assar no tradicional forno do fogão de lenha.

Tudo isto tinha um encanto único que se foi perdendo com a perda dos familiares mais próximos mas que nós os irmãos vamos tentando manter como símbolo da união familiar que a minha mãe tanto gostava de promover.

Vem aí o Natal. Que o saibamos celebrar com a dignidade e a humanidade que lhe deve presidir e agradecer a Deus esta continuidade.

António Lúcio

Sobral de Monte Agraço, 6 de dezembro de 2022

Qui | 01.12.22

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (7)

UM ERRO HISTÓRICO…NUM CORTEJO HISTÓRICO-ETNOGRÁFICO

António Lúcio / Barreira de Sombra

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Participei durante vários anos nos Cortejos Histórico-Etnográficos que se realizavam no 1º domingo das Festas e Feira de Verão de Sobral de Monte Agraço e que atraiam até á sede do Concelho milhares de visitantes e interpretei os diversos papéis com todo o respeito que as personagens implicavam. E confesse que gostavam imenso desse convívio e da responsabilidade com que o Amílcar Leitão e o Rui Corado Batista tratavam de tudo para que nada falhasse. Era muita gente envolvida e coordenar tudo não era tarefa fácil.

Os trajes vinham de Lisboa, trajes de época, nem sempre muito agradáveis ao toque mas, que a todos nos deixavam imponentes, como autênticas figuras da época que representávamos e cujos quadros tinha sempre a ver com história do Sobral. Havia uma equipa de maquilhagem liderada pela Maria Natália, se não me falha o nome, que a todos deixavam com feições à época, e onde as senhoras, com as duas empoadas cabeleiras e lindos vestidos, davam fortemente nas vistas.

Até que num desses cortejos havia um quadro evocativo do grande escritor e poeta português Luiz Vaz de Camões, que ia acompanhado das suas inspiradoras musas, as ninfas do Tejo. E calhou-me a mim dar vida à personagem. No momento da caracterização surgiu a dúvida. Em que olho usava Camões a pala devido a ter ficado cego de uma vista? Da esquerda ou da direita? Não havia certezas e nem sequer a internet era algo em que se pudesse pensar.

Eu teimei que era do olho esquerdo, outros que era do direito. E eu avancei e cumpri todo o percurso com a pala colocada sobre o olho esquerdo quando, na realidade, o deveria ter feito com ela a tapar-me a vista direita. Um crasso erro histórico pois bastava que em casa tivesse ido ver “Os Lusíadas” e nada disto teria acontecido. Passou despercebido à esmagadora maioria dos assistentes ao cortejo.

Recordo com saudade esses momentos que terminavam com um bom convívio na garagem da Câmara e onde a diversão era garantida.

Um obrigado ao Amílcar Leitão e ao Rui Corado Batista por nos terem proporcionados estas experiências e vivências únicas.

01/12/22 Sobral de Monte Agraço

António Lúcio