HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (5)
QUANDO ERA DIA DE MATANÇA DO PORCO… NOS CACHIMBOS
Todos os anos os meus pais criavam, engordavam, um porco que uns meses mais tarde serviria para se cumprir o ritual agrícola e caseiro da “matança do porco”. Convém esclarecer os menos conhecedores que esta era uma tradição ancestral das nossas terras (aldeias e lugares) e de muitas das famílias rurais criavam o porco que era uma forma de abastecerem as despensas (arcas e salgadeiras próprias) pois não havia frigoríficos ou arcas congeladoras como hoje, e garantirem uma determinada quantidade de carne para auto-consumo que, de outra forma, não conseguiriam adquirir nos talhos. Era assim também com a a criação de frangos, galinhas poedeiras, patos, coelhos, perús… E também uma ajuda enorme à economia familiar, de base agrícola (como já aqui contei, trazíamos de renda algumas propriedades onde se cultivam as uvas, os trigos e outros cereais, as batatas, o grão, o milho, as frutas (maçãs e pêras) e as hortícolas, estas na Pêra Longa, bem junto a Seramena) e apenas com o salário fixo do meu pai enquanto cobrador-bilheteiro na Lopes & Matos Lda e mais tarde como chefe de tráfego na Rodoviária Nacional.
Pois bem, anafado que estava o porco chegava o dia em que um conjunto de pessoas da família se reunia para ajudar em todas as tarefas inerentes á matança. Era preciso preparar o local, os alguidares de barro para recolha do sangue que serviria para os chouriços e para o sarrabulho, baldes para recolha das tripas que haviam de ser bem lavadas e mais que lavadas para mais tarde servirem para fazer os chouriços de carne e de sangue, para a colocação do fígado, pulmões, coração, língua e rins do bichano…
Com sabem os porcos fazem uns grunhidos bem fortes quando se sentem agarrados e isso era o que fazia mais confusão à minha irmã e à minha avó que, por vezes ou se refugiavam em casa ou iam até perto do cemitério…
Tirado o animal do seu lugar de criação e levado até ao caminho, era tempo de o agarrar e colocar de lado sobre uma mesa baixa para que o ritual se pudesse cumprir. Éramos normalmente 4 pessoas que o imobilizámos por forma a que o “Papas”, cortador experiente, o pudesse matar de forma rápida e segura. A srª. Rosinda (mãe da Ernestina, do José Tomé e da Hermínia, madrinha da minha irmã) e a minha mãe tratavam de segurar o alguidar e o mexer o sangue, com algum vinagre já misturado para não coalhar, e rapidamente a tarefa estava terminada.
A seguir havia que chamuscar o porco, queimando o pêlo com um maçarico a gás e raspando tudo ou com uns cacos de telha ou umas facas velhas para que o coirato ficasse limpinho. Retiravam-se, da mesma forma, os cascos do animal. Uma boa lavagem com água corrente, à mangueirada e estava pronto para ser pendurado pelos quartos traseiros e ser aberto para retirar todos os interiores, de onde quase tudo de aproveitava.
Das gorduras extra junto aos rins e outras, como do toucinho mais alto, a minha mãe e a minha avó faziam a banha, derretendo as gorduras em lume lento no forno a lenha que tínhamos na nossa cozinha. Depois, alguma dela era vertida sobre sal, colorau e louro e ficava com um tom laranja… em pão quente era uma maravilha.
Algumas carnes eram cortadas em pequenos pedaços, temperadas e deixadas a marinar e dois ou 3 dias depois era tempo de fazer os chouriços de carne, que os de sangue já estavam no fumeiro. E assim sucessivamente.
No final, quando o porco já estava “limpo” dos seus interiores, era envolvido num lençol branco e ficava a “enxugar” para ser transformado nas restantes peças no dia seguinte. O fígado era transformado numas belas iscas, temperadas apenas com sal e que iam para cima das brasas e depois degustadas em cima de uma fatia de pão que a avó havia cozido de véspera. E mais alguns pedaços de febras ou da faceira, assavam calmamente nas brasas e eram o nosso petisco/almoço desse dia.
Era mais um dia em que parte da família mais próxima se reunia e partilhávamos o momento há tanto esperado. Depois era tempo de controlar a salga das costelas, das barrigas (entremeadas), dos lombos e dos chispes e presuntos que haviam de durar alguns meses. A avó e a mãe cuidavam, ainda dos enchidos, do fumeiro que se fazia de propósito para que ficassem com qualidade e aguentassem ao máximo.
Fizemos e mantivemos este ritual até à cerca de 40 atrás contando sempre com a colaboração do “Papas”, de pois do Firmo, colega do meu pai, dos meus pais e da avó, por vezes das 2 avós, da Srª. Rosinda e até do seu marido António Tomé, ás vezes com a Tia Crielmina e os meus primos António José e Maria de Lurdes, enfim, tempos que passaram e que é sempre bom recordar.
António Lúcio
21 de novembro de 2022