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AS MINHAS VIAGENS

28 de Novembro, 2022

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (5)

QUANDO ERA DIA DE MATANÇA DO PORCO… NOS CACHIMBOS

António Lúcio / Barreira de Sombra

Todos os anos os meus pais criavam, engordavam, um porco que uns meses mais tarde serviria para se cumprir o ritual agrícola e caseiro da “matança do porco”. Convém esclarecer os menos conhecedores que esta era uma tradição ancestral das nossas terras (aldeias e lugares) e de muitas das famílias rurais criavam o porco que era uma forma de abastecerem as despensas (arcas e salgadeiras próprias) pois não havia frigoríficos ou arcas congeladoras como hoje, e garantirem uma determinada quantidade de carne para auto-consumo que, de outra forma, não conseguiriam adquirir nos talhos. Era assim também com a a criação de frangos, galinhas poedeiras, patos, coelhos, perús… E também uma ajuda enorme à economia familiar, de base agrícola (como já aqui contei, trazíamos de renda algumas propriedades onde se cultivam as uvas, os trigos e outros cereais, as batatas, o grão, o milho, as frutas (maçãs e pêras) e as hortícolas, estas na Pêra Longa, bem junto a Seramena) e apenas com o salário fixo do meu pai enquanto cobrador-bilheteiro na Lopes & Matos Lda e mais tarde como chefe de tráfego na Rodoviária Nacional.

Pois bem, anafado que estava o porco chegava o dia em que um conjunto de pessoas da família se reunia para ajudar em todas as tarefas inerentes á matança. Era preciso preparar o local, os alguidares de barro para recolha do sangue que serviria para os chouriços e para o sarrabulho, baldes para recolha das tripas que haviam de ser bem lavadas e mais que lavadas para mais tarde servirem para fazer os chouriços de carne e de sangue, para a colocação do fígado, pulmões, coração, língua e rins do bichano…

Com sabem os porcos fazem uns grunhidos bem fortes quando se sentem agarrados e isso era o que fazia mais confusão à minha irmã e à minha avó que, por vezes ou se refugiavam em casa ou iam até perto do cemitério…

Tirado o animal do seu lugar de criação e levado até ao caminho, era tempo de o agarrar e colocar de lado sobre uma mesa baixa para que o ritual se pudesse cumprir. Éramos normalmente 4 pessoas que o imobilizámos por forma a que o “Papas”, cortador experiente, o pudesse matar de forma rápida e segura. A srª. Rosinda (mãe da Ernestina, do José Tomé e da Hermínia, madrinha da minha irmã) e a minha mãe tratavam de segurar o alguidar e o mexer o sangue, com algum vinagre já misturado para não coalhar, e rapidamente a tarefa estava terminada.

A seguir havia que chamuscar o porco, queimando o pêlo com um maçarico a gás e raspando tudo ou com uns cacos de telha ou umas facas velhas para que o coirato ficasse limpinho. Retiravam-se, da mesma forma, os cascos do animal. Uma boa lavagem com água corrente, à mangueirada e estava pronto para ser pendurado pelos quartos traseiros e ser aberto para retirar todos os interiores, de onde quase tudo de aproveitava.

Das gorduras extra junto aos rins e outras, como do toucinho mais alto, a minha mãe e a minha avó faziam a banha, derretendo as gorduras em lume lento no forno a lenha que tínhamos na nossa cozinha. Depois, alguma dela era vertida sobre sal, colorau e louro e ficava com um tom laranja… em pão quente era uma maravilha.

Algumas carnes eram cortadas em pequenos pedaços, temperadas e deixadas a marinar e dois ou 3 dias depois era tempo de fazer os chouriços de carne, que os de sangue já estavam no fumeiro. E assim sucessivamente.

No final, quando o porco já estava “limpo” dos seus interiores, era envolvido num lençol branco e ficava a “enxugar” para ser transformado nas restantes peças no dia seguinte. O fígado era transformado numas belas iscas, temperadas apenas com sal e que iam para cima das brasas e depois degustadas em cima de uma fatia de pão que a avó havia cozido de véspera. E mais alguns pedaços de febras ou da faceira, assavam calmamente nas brasas e eram o nosso petisco/almoço desse dia.

Era mais um dia em que parte da família mais próxima se reunia e partilhávamos o momento há tanto esperado. Depois era tempo de controlar a salga das costelas, das barrigas (entremeadas), dos lombos e dos chispes e presuntos que haviam de durar alguns meses. A avó e a mãe cuidavam, ainda dos enchidos, do fumeiro que se fazia de propósito para que ficassem com qualidade e aguentassem ao máximo.

Fizemos e mantivemos este ritual até à cerca de 40 atrás contando sempre com a colaboração do “Papas”, de pois do Firmo, colega do meu pai, dos meus pais e da avó, por vezes das 2 avós, da Srª. Rosinda e até do seu marido António Tomé, ás vezes com a Tia Crielmina  e os meus primos António José e Maria de Lurdes, enfim, tempos que passaram e que é sempre bom recordar.

António Lúcio

21 de novembro de 2022

27 de Novembro, 2022

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (4)

UMA DIA NA DEBULHA DO TRIGO NA EIRA DA QUINTA DO CARVALHO

António Lúcio / Barreira de Sombra

Quando era miúdo e o meu pai em conjunto com o meu avô traziam de renda as terras do alto da Forca (Sobral) e da Pêra Longa, à Seramena, era hábito semearem trigo, cevada e aveia, a par das batatas e do grão de bico para consumo próprio, o que se traduzia inevitavelmente por muitos dias passados nessa labuta agrícola ainda que, com a nossa curta idade (10 aos 13 anos talvez) pouco pudéssemos “puxar pelo cabedal”. Mas, ainda assim, ajudava o meu pai e o meu avô António Diniz, a marcar o terrenos, a cortar as batatas que haviam de ser plantadas nos regos já abertos pelo tractor do Sr. Jordão, do Sobral, ou a plantá-las; ou ainda marcar o terrenos para a sementeira do trigo que o meu pai, Diamantino Lúcio, fazia questão de colocar umas canas para seguir uma determinada direcção…

Pois bem, no verão chegava a época das colheitas e eu já de férias da escola, alinhava nos trabalhos que havia para fazer. Era o tempo de ceifa e da debulha dos cereais. Um grupo de homens e mulheres onde se incluíam familiares com a minha mãe Adelina, as avós Sara e Aldegundes, o Manel de Alcareia (nosso vizinho, marido da Doroteia Silva, mãe da Otília, do Carlos, do Aníbal, do João Manuel e da Paula, se me lembro de todos) lá iam estrada fora, dos Cachimbos para a Seramena e para a Pêra Longa, ceifar o trigo. Era um rancho grande a que por vezes se juntava o Sr. Cândido que morava nos Casal dos Corações entre os Cachimbos e a Seramena e alguns outros nossos familiares e parentes.

Ceifado o trigo, este era colocado em molhos grandes atados com corda e empilhados no que se chamavam vulgarmente as medas e aguardavam aí o momento de serem carregados no reboque do trator do Sr, Jordão e descarregados no local da eira onde, mais tarde seria debulhado e ensacados os grãos que seriam entregues no Celeiro da FNPT (Federação Nacional dos Produtores de Trigo) no Campo da Feira de Sobral (hoje Sobralpneus) ou  em Malgas… As cargas, devidamente feitas pelo meu pai eram atadas com cordas para que não houvesse a possibilidade de se desmancharem e caírem à estrada, má, até à Quinta do Carvalho (entre A-dos-Chancos e Vermões, no cruzamento para a aldeia da Pedreira).

Por hábito aí se instalava uma máquina debulhadora com a respectiva enfardadeira (transformava a palha em fardos atados com 2 arames ou cordões) que era operada pela força de uma correia de lona ligada a vários eixos a partir de um tractor que exercia essa força de tracção. Homens no chão iam passando os molhos de trigo aos que alimentavam a máquina, umas vezes por força braçal (se o local por onde entrava o trigo era na cima cimeira da máquina ou então num tapete rolante que levava os molhos até esse destino.

Depois, era ver os grãos de trigo a encher uma caixa de onde eram transferidos para as sacas e pesados em balanças decimais. Eu acompanhava, com o meu primo António José, essas operações do princípio ao fim e com um carrinho enfileirava as sacas de serapilheira marcadas a tinta com as inicias AD ou DCL consoante o cereal era do meu avô ou do meu pai. E controlávamos o número de fardos de palha que saiam da enfardadeira e eram colocados em pilhas em zona própria, até porque de tudo o que saía da máquina havia uma percentagem que havia de entregar ao dono da máquina. Pagava-se em géneros e não em dinheiro. E uma parte do cereal, do trigo nomeadamente, ficava em nossa casa para depois ser moído no moinho do sr. António que vinha na sua carroça puxada for um forte macho, parava à nossa porta, carregava o cereal e na volta entregava a farinha, ainda por peneirar e que tantas vezes me deixou acompanhá-lo nesse seu trabalho no moinho que fica perto do baloiço…

Na eira da máquina, como lhe chamávamos, era uma azáfama imensa e tudo o que era grão era ali debulhado. O pó e os restos mais finos das palhas deixavam-nos castanhos. Levávamos quase sempre um farnel feito pela minha mãe. Um cabazito de verga com um tacho bem embrulhado em jornais e com um pano turco, garfo e faca, um naco de pão, água e, quando a máquina parava por volta das onze ou meia dia, lá se juntava toda a gente a comer. Um fardo de palha fazia a nossa mesa e rapidamente o bulício voltava.

Eram momentos diferentes, vividos num tempo diferente, com intensidade dada a nossa juventude também, e onde muito se aprendia sobre os trabalhos do campo – a que ficamos indelevelmente marcados -, sobre o espírito de entreajuda que havia, sobre como valorizar os nossos produtos e aproveitar ao máximo tudo o que a terra nos dava. Até o que sobrava da limpeza do trigo e outros cereais (que a minha avó e os outros vizinhos chamavam de “alimpaduras” iam para sacas próprias pois serviam para alimentar os outros animais). Por isso a tal lei que diz que “na natureza nada se perde, tudo se transforma.

E à hora combinada lá estava o Sr. Jordão com o seu tractor e reboque prontos para carregar as sacas de trigo, as outras e os fardos de palha com que o meu avô pretendia ficar pois os outros já os vendera na eira… O dia já ia longo e nós o que queríamos era um belo banho, comer algo quente e ir dormir porque no dia a seguir iria ser igual.

Eramos felizes e disso só muito mais tarde nos demos conta.

António Lúcio

Sobral, 13 de Novembro de 2022

25 de Novembro, 2022

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (2)

DA AZÁFAMA DA PREPARAÇÃO DO DIA DE TODOS OS SANTOS

António Lúcio / Barreira de Sombra

A azáfama começava de véspera. Preparar o forno para cozer o pão e fazer as broas de diversos tipos e condimentos. Preparar as carnes, cortá-las em cubos e temperá-las a preceito, numa marinada de vinte e quatro horas para ficarem bem saborosas. Retalhar castanhas para assar ou cozer, ao gosto de cada um. Cortar batatas para cozer ou fritar e acompanhar as belas das fritadas que iriam ser o almoço do dia seguinte. E ainda uns bolos fritos, de laranja ou abóbora.

Era assim que a minha mãe e a minha avó preparavam o Dia de Todos os Santos na nossa humilde casa em Cachimbos, ali tão perto da feira do Almargem, feira onde se vendia de tudo um pouco e onde as barracas, de longas mesas corridas e grandes encerados (lonas) por cima davam abrigo e alimentavam milhares de pessoas que durante todo o dia ali se deslocavam.

O Dia de Todos os Santos é o dia do aniversário da minha irmã e na nossa sala de refeições era montada uma enorme mesa onde se almoçava e onde havia sempre muita gente. Na altura, o meu  pai trabalhava na Lopes & Matos e, mais tarde, na Boa Viagem, como cobrador-bilheteiro e esse era um dia de enorme azáfama pois faziam muitas carreiras de e para a Feira do Almargem com origem nos mais diversos pontos dos concelhos limítrofes e a que chamavam de “eventuais” pois não havia regularidade.

Pois bem, estão a imaginar onde é que o meu pai e os colegas de trabalho como o Mesquita, o Fonseca, o Adelino, o Bento, o Remexido, o Ti Carmo, abancavam por minutos para comer algo pois as camionetas não podiam parar? Pois claro, junto à nossa casa! Era uma alegria enorme ter tanta gente connosco nesse dia de festa. E claro, a minha irmã fazia anos e numa dessas vezes o Mesquita, que ia em alugueres a Espanha, trouxe-lhe de prenda, uma espanhola toda trajada a rigor.

Por causa do trânsito, havia sempre um ou dois GNR no cruzamento, e estou a falar-vos de há uns quase 45/50 anos atrás. Também eles não eram esquecidos e logo de manhãzinha, um café de borras e umas broas ou bolos fritos serviam para aquecer o estômago. E à hora de almoço eram sempre convidados a come algo.

Depois, umas vezes mais cedo outras mais tarde, com a minha mãe ou com a minha avó ou com algum dos tios que nos visitava nessa altura, íamos até à feira, comprar castanhas e outras coisas e passear no meio de tanta gente, tanta gente, que só não nos perdíamos porque estávamos bem perto de casa. Vendiam-se cabras e ovelhas, burros e machos, vitelos, havia os “carros das fábricas” com os seus megafones a vender cobertores e mantas e outras coisas para casa…. Enfim havia de tudo para todos e às vezes trazíamos uns cobertores novos para as nossas camas.

E ao final da tarde, numa curta paragem da carreira, o autocarro de passageiros, à nossa porta, lá vinha o meu pai e o motorista comer algo porque o resto do dia ainda ia ser longo pois havia muita gente para “tirar” da feira e devolver aos seus locais de origem. E já a noite ia longa quando a minha mãe nos metia na cama. “Amanhã é dia de escola. Boa noite” e despedia-se com um beijinho a cada um.

Era momentos que se viviam sempre com intensidade porque só assim a vida faz sentido.

Sobral de Monte Agraço, 31 de outubro de 2022

António Lúcio

24 de Novembro, 2022

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (6)

TRABALHOS NA VINHA – DA PODA À VINDIMA

António Lúcio / Barreira de Sombra

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Quem trabalha na agricultura cedo se acostuma a não haver horários para as inúmeras tarefas que urge realizar e as vinhas não são excepção. Hoje tudo é mecanizado, mas nos anos 70 e 80, tudo, ou quase tudo, era feito com recurso ao trabalho de homens e mulheres, com tarefas específicas, e pouca mecanização existia em vinhedos cuja plantação e disposição erai irregular, quase tanto como os terrenos em que eram implantadas. Umas encostas com alguma pendente bastante inclinada, como era o caso da “Vinha da Forca”, por baixo de onde hoje se ergue o Miradouro da Forca, e onde existiam uma casinha de arrumos e dois poços que muito raramente secavam.

O meu avô trazia essa vinha assim como o terreno de outras culturas da mesma propriedade, ao terço com o dono das mesmas e o meu pai ajudava nos labores até que o meu avô faleceu e o meu pai assumiu essa responsabilidade durante uns anos. A propriedade era boa, tinha acessos bons pela EN115, e pela Barqueira e era rentável tendo em conta que não precisava de contratar quase ninguém a não ser para a ceifa e para a poda e a vindima.

Pois bem, miúdo ainda, acompanhava os homens e mulheres que tratavam da poda (cortar as videiras de acordo com as respectivas castas, ora a talão, ora com varas) e juntavam as varas cortadas em molhos para mais tarde serem queimadas (bastantes molhos eram guardados para o forno onde a minha avó cozia o belo e saboroso pão feito do trigo criado ali e na Pêra Longa). Depois de podadas as videiras, era necessário empar as varas, o que fazia dobrando a vara com cuidado e por forma a ficar como uma circulo, dobrando-se a ponta a que se chamava, se não me falha a memória, de “mosca”, tudo com junco natural que havia ficado de molho ou no poço ou, se corria água, no regato, era mesmo aí que ficava a demolhar para estar macia e não quebrar quando se atassem as varas.

Todo este trabalho aprendi a fazer porque o meu avô pedia ao sr. Cândido (Do Casal dos Corações, entre Cachimbos e Seramena, pai da Tomásia e do Daniel) e outros, que me ensinassem. Eles achavam piada e lá me iam ensinando inclusive a fazer enxertia. Era engraçado, eu, um míúdo, franzino nos meus 10/11 anos, a ombrear com homens e mulheres curtidos nesta dura vida, em que se levantavam cedo fizesse chuva ou sol e que cantarolavam e contavam histórias durante um dia inteiro, puxando pelo cabedal, e com uma jorna que não podia ser elevada.

Lá me iam dizendo, “essa deixa talões com 2 ou 3 olhos” porque é da variedade X ou Y (por onde depois iriam brotar os rebentos de uma nova vide e os cachos de uvas que seriam mais tarde transformados em vinho); ou “essa deixas uma vara para cada lado e dois talões”, se era de uma variedade que o suportava. E tentávamos sempre que as videiras não ficassem muito altas…

Era preciso, depois, se o tempo não estava de feição e as varas se partiam, voltar a percorrer o já podado para proceder à empa, quase sempre de manhã muito cedo (se não houvesse geada por exemplo), e à queima das vides sobrantes da poda. Molhos ou feixes como lhe queiram chamar eram colocados em pirâmide num local aberto, sem mato, e queimados. Eram uma tarefa que fazíamos com cuidado, muitas das vezes íamos em fila indiana e deitávamos os molhos, uns maiores outros mais pequenos na fogueira que ardia estrepitosamente quando algumas canas iam em conjunto com as vides e depois, com uma forquilha íamos juntando os pedaços não ardidos para o centro da fogueira pois não queríamos que atingisse grandes proporções. Ficava ali um braseiro espectacular e às vezes até se assava um belo naco de bacalhau ou umas febras para o almoço.

Meses mais tarde era necessário voltar a “tratar” da vinha. Rebentados os primeiros “gomos”, cedo se desenvolviam. E muitas vezes, o meu avô assim o entendia, começava por sulfatar a vinha com uma mistura que chamavam calda bordalesa e que era feita com cal, derretida e liquidificada e sulfato de cobre. Este vinha em pequenas pedras ou grãos, azuis esverdeados, os quais o meu avô colocava nuns sacos de serapilheira dentro de água, para derreterem, e depois juntar à cal liquida. Havia um processo de controlo de acidez efetuado com umas tiras reagentes que mudavam a sua cor para roxo se tudo estava bem. E aí, bilhas de plástico cheias da mistura, pulverizador manual às costas e toda dar ao braço para sulfatar pela primeira vez os novos rebentos. Era de primordial importância esta primeira sulfatação, bem cedo, para minimizar infecções das videiras que mais tarde se poderia traduzir numa menor produção e de menor qualidade. Depois era repetir a tarefa a cada 15 dias e, se necessário, enxofrar (na “gola” ou no cacho), com enxofre em pó colocado noutro aparelho a que sempre ouvi chamar de “torpilha”, também de uso manual.

Aos poucos os cachos apareciam, floresciam e nasciam os primeiros bagos. Cresciam os cachos ao mesmo tempo que as vides que os suportavam e havia alturas em que era difícil romper pela vinha tal a dimensão que haviam ganho. Calor, suor, mais dificuldades para sulfatar e, por isso, mal o sol nascia lá estávamos nós prontos para sulfatar, agora com um atomizador com motor e que projectava o sulfato por tudo quanto era sítio. Doze horas cheguei eu a fazer a sulfatar com o meu pai e aminha mãe na “Vinha da Forca” quando tinha os meus quinze anos.

Final de verão era tempo de vindimas, a última das tarefas grandes do cultivo da vinha. Mais uma vez, entre amigos e familiares que vinham dar uma mãozinha e pessoal contratado para o efeito, lá andávamos nós de balde e tesoura a cortar os cachos, despejar nos cestos, carregar uns quantos até às tinas (recipientes próprios para transporte das uvas) que estavam colocadas no tractor do Sr. Bonifácio das Carreiras, com quem o meu avô sempre manteve, como todos nós, uma excelente relação. Cheias que estas estivessem, seguia o trator para a despejar no lagar das Caves Bonifácio e nó continuávamos a encher as outras tinas colocadas em pontos estratégicos e que mais tarde teríamos de transvasar para as do tractor.

Hora de almoço, cada um com seu farnel junto à casinha de arrumos e ao poço, de onde se retirava água para lavar as mãos antes do almoço. Algumas uvas eram colhidas para fazermos a nossa água-pé que seria aberta pelos Santos para acompanhar as fritadas de carne de porco e as castanhas assadas.

Sempre que chovia na vindima era uma complicação e uma dor de cabaça acrescida pois dadas as pendentes com elevado declive, os tractores tinham tendência a derrapar e sair do caminho traçado e, por sorte, nunca houve nenhum acidente a não ser algumas videiras partidas. Também para quem carregava os cestos cheios de uva até ao tractor ou à tina, o trabalho, o cuidado era maior para evitarem escorregar e cair, o que algumas vezes acontecia, ainda que sem consequências.

No último dia da vindima havia sempre um magusto com atum de barrica cozido com couves e batatas e que eram uma delícia para todos quantos participavam nesta jornada.

E o ciclo que nesse dia se fechava, haveria de repetir-se a cada ano até ao dia em que devolvemos a vinha ao seu proprietário, encerrando um capítulo de mais de uma década.

António Lúcio

Sobral de Monte Agraço, 24 de novembro de 2022

24 de Novembro, 2022

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (3)

QUANDO A AVÓ SARA COZIA PÃO NO FORNO A LENHA…

António Lúcio / Barreira de Sombra

De quando em vez a minha avó Sara, que vivia como nós nos Cachimbos, do outro lado da rua (estrada nacional), decidia cozer o tradicional pão de trigo, por vezes também de milho, e em épocas mais festivas até fazia uns bolos de ferradura, uma rosca se estávamos em época dos leilões de Seramena, e uns suspiros que só iam para o grande forno quando se retirava o pão.

Como devem calcular era dia de festa. Primeiro, num alguidar de barro vidrado a verde, de grandes dimensões, eram vertidos cerca de 20 kilos de farinha de trigo que havia sido peneirada pouco antes e que haviam sido moídos no moinho do Sr. António. A minha avó fazia numa pequena malga ou tijela, o fermento que iria ajudar a levedar a massa (os tais 20 kilos), depois de juntar fermento do padeiro que ia diluindo com água tépida e uma pitada de sal e a que juntava um pouco de farinha. Depois vinha a árdua tarefa de misturar este elemento com a restante farinha, água tépida e vá de amassar, á mão, durante um tempo considerável, a massa que iria dar origem ao pão. E aí já eu esfregava as mãos e as metia à massa, ajudando a avó ou a minha mãe, que se revezavam para continuar a amassar o pão que mais tarde todos iriamos comer.

Amassar pão não é uma tarefa fácil, podendo até parecer algo violenta pois é necessário envolver muito bem a farinha coma água por forma a não ficarem grumos ou pequenas bolhas com farinha seca com farinha seca no meio e dura algumas horas até se conseguir essa pasta homogénea e já enxuta, pronta para levedar e depois se cortar em pedaços mais ou menos iguais que aguardarão a sua vez de entrarem para o forno.

Enquanto isto decorria, havia que acender a lenha que, no interior do forno, iria permitir que a temperatura fosse a ideal para cozer o pão sem o queimar ou para que não ficasse tão mal cozido que não de pudesse queimar. E aqui a experiência da avó Sara era essencial. A forma como alimentava o forno com lenha, o puxar do borralho para a “boca do forno” de depois de para lá entrar o pão era fechado com uma tampa de ferro, era a garantia de que tudo estava a correr como mandavam as regras. Ela lá sabia e aquilo sempre saía bem. E os netos acompanhávamos tudo com o máximo interesse até porque no final havia sempre algo para o lanche…

Esta azáfama trazia, algumas vezes, a visita da minha tia Crielmina e dos filhos António José e Lurdes, outras vezes a tia Rita e a Dulce, ou até o tio Filipe, vindo de Setúbal com os filhos José António e Luís Filipe. Enquanto o pão levedava, havia outro alguidar de barro ponto para levar a farinha, os ovos, o açúcar, a raspa da casca de laranja, o pau de canela, a margarina derretida, as ervas aromáticas e lá se misturava tudo o que iria dar origem aos belos bolos tipo ferradura e com sorte a alguns maiores como as roscas, enfeitadas por cima, ou ainda uns redondos recortados com tesoura e que faziam as nossas delícias, que os comíamos ainda quentinhos. Das claras que sobravam, numa tijela funda, com o auxílio de umas varas de aço, eram batidas vigorosamente com açúcar branco, haviam de sair uns belos suspiros que iriam ser cozidos no forno em conjunto com os outros bolos e depois do belo pão.

E era aqui, no momento em que o pão saia do forno e a minha avó e a minha mãe o arrumavam nos cestos onde durariam uma semana, sem ganhar cheiros nem bolores, que nós aproveitávamos os primeiros pães para lhes cortar o que chamávamos “mamas” umas bolas que rebentavam quando estavam a cozer, para as abrirmos ao meio, colocar açúcar amarelo e azeite ou apenas manteiga ou ainda marmelada e com um café de borras (mistura solúvel de cevada e chicória) feita na cafeteira de alumínio e nas brasas à entrada do forno, o tal borralho, e nos lambuzava-mos com todo aquele banquete de final de dia, havendo ainda lugar a um ou outro bolito (havia quem o besuntasse de manteiga) e ou ao suspiro que ninguém queria que comessemos ainda quentes mas aos quais não resistíamos.

E quando se juntavam os primos então a festa era ainda maior. E a avó Sara ficava contente de ter os seus pintainhos (netos) todos juntos. A fartura faz-se da vontade de partilhar e do pouco se faz muito assim haja essa capacidade de dar e receber.

António Lúcio
Sobral de Monte Agraço, 15 de novembro de 2022

 

24 de Novembro, 2022

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (1)

DOS DIAS PASSADOS EM SUBSERRA E NA MOUCHEIRA

António Lúcio / Barreira de Sombra

Hoje decidi contar-vos uma história das muitas da minha meninice, dos tempos que ia passar um ou outro dia ao casal onde vivia a minha avó paterna, Aldegundes Maria, e onde criou o meu pai, tios e tias, bem próximo à aldeia de Subserra (Alhandra) e que se chamava Casal do Paneiro de Baixo, bem cerca da mata da Moucheira (onde colhíamos o tradicional pinheiro de Natal, uns medronhos e, numa fonte de água límpida e fresca sempre havia avencas…).

Pois bem, o Casal Do Paneiro era uma construção tradicional, de pedra, telha de canudo, com uma ampla cozinha com chão de terra batida, um grande formo, e mais 3 divisões se não me falha a memória, sendo que a que estava mais virada para o Tejo, permitia uma vista fantástica a era o lado onde a avó tinha um lindo jardim. Tinha um grande poço e uma figueira onde montávamos um baloiço para nos divertirmos.

Íamos no autocarro da Lopes e Matos e depois Boa Viagem até uma paragem que ficava entre A-de-Freira e São João dos Monte e depois eram uns bons quilómetros a subir, por caminhos ditos de pé posto para evitar ir a Subserra. Mas lá íamos felizes e contentes. Juntávamos a família mais próxima e passávamos algum tempo com a avó.

Do cume da Moucheira havia uma linha vermelha que ninguém passava: era a pedreira da então Cimento Tejo (Cimpor). De quando em vez, na crista do monte aparecia um homem comum bandeira vermelha, a acenar e a gritar Fogo! Fogo! Sabíamos, assim, que em breve, haveria explosões na pedreira e que era a altura certa para os abrigarmos no quarto ou na cozinha da avó Aldegundes. E sim lá estava a primeira explosão a ecoar e pedaços de pedras a voar e a baterem com força nas telhas que nem sempre aguentavam o impacto.

Era assim duas vezes por dias… Depois, voltávamos ás brincadeiras e até o gato que a Avó tinha e era um charmoso alinhava nas nossas caminhadas Moucheira adentro ou nas vindas até ao largo principal de Subserra e até à vacaria onde trabalhavam o tio João Forte e a tia Irene. Passaram quase 50 anos e, fechando os olhos, é como se tivesse sido ontem.

António Lúcio

26/10/2022

23 de Novembro, 2022

NOVOS CAPÍTULOS NA VIDA DO NOSSO BLOGUE

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE

António Lúcio / Barreira de Sombra

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Decidi acrescentar alguns conteúdos mais pessoais neste meu e vosso blogue por entender que também as viagens à nossa memória mais longínqua, a das vivências de infância, era uma forma de poder dar a conhecer a vida de algun jovens, como eu, que cresceream no campo, que cedo tiveram de ajudar os pais nas tarefas agrícolas, sem nunca descurar a instrução (na primária ou no liceu), contribuindo para os parcos rendimentos financeiros das famílias e aprendendo muito sobre a agricultura, a criação de animais, etc....

A partir de amanhã terão aqui algumas das minhas histórias de infância e juventude.